Transplante Pulmonar
- Sam de Oliveira
- 27 de mai. de 2020
- 10 min de leitura
O avanço da tecnologia permitiu a sobrevida de muitos pacientes que antes eram classificados como “terminais”. Dentre as novas técnicas desenvolvidas, podemos citar o transplante de órgãos. Este procedimento é uma nova chance para o paciente que se encontra com um ou mais órgãos comprometidos.
A primeira parte do trabalho conceitua o transplante, em especial o transplante de pulmões. Também serão abordadas as leis relativas à doação de órgãos, as indicações e os cuidados de enfermagem no pré, trans e pós operatório. Também destaca a realização do procedimento e as complicações inerentes.
A pesquisa foi inteiramente pautada em artigos, documentos e revistas online em razão de não existir esse tipo de cirurgia na região serrana de Nova Friburgo, o que inviabilizou uma pesquisa de campo eficaz. Apesar de estar longe do nosso campo de atuação, ou seja, os profissionais e estagiários da área de saúde em Nova Friburgo dificilmente terão acesso a esse tipo de procedimento em loco, a pesquisa tem sua importância a nível de conhecimento. É importante para conhecer as posições cirúrgicas, saber o uso e nome de ferramentas utilizadas em cirurgias e as ações da enfermagem em uma sala de operações.
CONCEITO
O transplante de órgãos consiste numa cirurgia de alta complexidade e envolve pessoal especializado, alto custo e uso de tecnologia para sua realização. Transplantes representam a melhora significativa da vida do paciente. De acordo com o Ministério da Saúde, os órgãos que podem ser transplantados são coração, fígado, pâncreas, rins e pulmões, tecidos e células, córneas, válvulas cardíacas, ossos, peles, sangue, medula óssea e cartilagens.
O assunto foi objeto da Lei Federal n. 9.434/1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano em vida ou post mortem para fins de transplante e tratamento, regulamentados pelo Decreto Federal nº 2.268/1997, que organizou o Sistema Nacional de Transplante (SNT).
Dentre as cirurgias possíveis temos os transplantes de pulmão. O transplante pode ser unilateral, bilateral em bloco, bilateral sequencial, cardiopulmonar e lobar (intervivos).
Nem sempre é possível utilizar o pulmão quando há doação de múltiplos órgãos, pois esse órgão é sensível e, dependendo da causa morte, das medicações utilizadas na tentativa de reanimar o indivíduo, ou mesmo das condições de manutenção do potencial doador, o órgão se torna inviável para doação e transplante.
O primeiro transplante pulmonar intervivos realizado fora dos Estados Unidos ocorreu no Brasil em 17 de setembro de 1999, no Centro Cirúrgico do Pavilhão Pereira Filho da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. De 1999 até novembro de 2014 foram realizados 33 transplantes de pulmão de doador vivo, sendo 14 em crianças, 14 em adolescentes e 5 em adultos, a maioria deles portadores de fibrose cística. Em 2014, dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos mostram que 67 transplantes pulmonares foram realizados no Brasil e que 204 pacientes estavam na lista de espera para transplante pulmonar.
INDICAÇÃO
O procedimento é indicado quando há falência total ou parcial dos órgãos, colocando em risco a vida do paciente. O transplante de pulmão tem sido o tratamento de escolha para pacientes com pneumopatia crônica não neoplásica em estágio terminal. De modo geral, indica-se o transplante de pulmão naqueles pacientes que apresentem todos os seguintes critérios:
Alto risco (> 50%) de mortalidade em 2 anos secundário a pneumopatia caso o transplante pulmonar não seja realizado
Alta probabilidade (> 90%) de sobrevida após 90 dias do transplante
Alta probabilidade (> 80%) de sobrevida após 5 anos do transplante, do ponto de vista clínico, se boas condições do enxerto.
Cuidados de Enfermagem
Durante todo o procedimento, quem permanece com o paciente é a equipe de enfermagem. É preciso se posicionar e saber quais são os cuidados biológicos e psicológicos que um paciente transplantado necessita. O processo da doação até a concretização do transplante de um órgão, bem como o cuidado do paciente transplantado, envolve muitos profissionais, com logística complexa, exigindo dedicação e muito comprometimento. O enfermeiro participa de todas as etapas, desde o processo de doação, preparo e orientação do receptor, organização do Centro Cirúrgico (CC), acolhimento e assistência do paciente no período perioperatório (pré, trans e pós-operatório), desempenhando um papel importante e de extrema necessidade, visando a segurança, o cuidado e o bem-estar do paciente.
No CC o enfermeiro atua na coordenação das salas cirúrgicas, provendo materiais e equipamentos que serão necessários; realiza assistência aos pacientes, na organização e conferência dos documentos, atendendo todos os trâmites legais que permeiam esse tipo de doação e transplante. O enfermeiro também efetua registros da assistência prestada e dos processos gerenciais realizados, trabalhando de forma integrada aos demais profissionais da equipe de saúde que atuam nesse macroprocesso.
Pré-operatório
Ao ser confirmada a retirada de órgãos, a equipe de enfermagem inicia as atividades a serem executadas, como a montagem da sala, contato com as demais equipes, providenciar os materiais e os equipamentos para a cirurgia. Evidencia-se que as mesmas etapas citadas para a retirada de órgão de doador após a morte são seguidas para a retirada de órgão de doador vivo. Ressalta-se que toda a supervisão do processo é realizada pelo enfermeiro, por ser o profissional responsável por coordenar as atividades que envolvem o ato anestésico-cirúrgico em todas as suas fases.
1. O enfermeiro deverá coordenar e administrar as atividades do CC, como: prover recursos materiais e humanos, contatar equipes e setores envolvidos no Transplante (Tx) (CME, Banco de Sangue, Laboratório de análises clínicas e imunológicas e UTI).
2. Providenciar, conforme a idade ou tamanho do paciente, materiais de Órtese Prótese e Material Especial (OPME), como: cânulas de aorta, cânulas arteriais venosas, oxigenador de membranas, hemoconcentrador e filtro de linha arterial. Por rotina da instituição, todo o material deve estar no CC pelo menos 24 horas antes do início da cirurgia.
3. Providenciar equipamentos: bisturi de argônio e elétrico, máquina de circulação extracorpórea CEC, Óxido Nítrico (ON) com suas conexões, aparelho de TCA para verificação do tempo de coagulação ativado, aparelho I-Stat para verificação de gasometria e bioquímica laboratorial com resultados imediatos, aparelho cardioversor, manta térmica, aparelho de hemoglicoteste (HGT), três broncoscópios, três bombas de infusão, e foco auxiliar.
4. Levar para as salas cirúrgicas kits de anestesia, com materiais e medicamentos necessários para realizar: anestesia geral e bloqueios anestésicos, colocação de cateter para PAM, acesso venoso central Swan Ganz e periférico. Materiais específicos, tais como: Tubo de Carlens nº 35, 37, 39, 41 ou Tubo Robertshaw, um conector Y de Carlens, aspirador de Carlens, uma pinça Reinold e uma Maguil.
5. Encaminhar para as salas kit de materiais de cirurgia de grande porte, como: luvas, gazes, compressas, seringas, agulhas, dânulas, perfusores, sondas e outros materiais.
6. Montar as salas cirúrgicas com pacotes de roupas estéreis, bandejas de instrumental estéril para as cirurgias, bandeja de bloqueio anestésico, bandejas de acesso venoso central, e bandeja de sondagem vesical.
7. Colocar na sala do receptor os instrumentais estéreis, tais como: bandejas de toracotomia e de transplante de pulmão, pinças vasculares, uma bandeja inox, uma jarra, dois bulldogs, caneta de cautério, ponteira longa, cabo de bisturi longo, manoplas para foco cirúrgico; Balfour com pás curtas e longas, clamp vascular gêmeo + átrio, Finocheto de transplante.
8. Levar material para montar mesa do órgão: três sacos de gelo, caixa térmica, cinco bolsas de SF 0,9% 1000 ml congelado, duas Bolsas de Perfadex, 1 ml de solução de Than, 60 ampolas de Prostaglandina, cânulas arteriais, saco para órgão, equipo de perfusão de órgão, sistema de ventilação infantil Baraka, torpedo de oxigênio, bacia estéril, foco auxiliar, impermeável e outros materiais que constam no kit de cirurgia de grande porte.
9. Testar material que irá ventilar o órgão (balão de anestesia íntegro de 1 litro e estéril, com uma conexão em Baraka) antes de encaminhar para a esterilização.
10. Confirmar na sala do receptor os fios cirúrgicos específicos, soros, soluções geladas, sondas uretrais, 60 ampolas de prostaglandina, solução de Than e solução de Perfadex, Swan Ganz, separados conforme o tamanho do paciente.
Transoperatório
O enfermeiro chama os três pacientes (receptor e dois doadores) para o CC, conforme normas da Joint Commission International (JCI) e protocolo da cirurgia segura, confirmando nomes, datas de nascimento (nas pulseiras de identificação), o tempo que estão sem receber “Nada Por Via Oral” (NPO), nome do cirurgião principal, procedimentos cirúrgicos que irão realizar, e conferência das lateralidades das cirurgias. Quando o receptor é criança ou adolescente, tem direito amparado por lei de entrar no CC com um acompanhante até a Sala de Operações (SO). Como nesses casos, na maioria das vezes, os doadores são os próprios pais, o acompanhante da criança receptora passa a ser os tios ou avós. Nessa categoria, a enfermagem recepciona no CC os pacientes envolvidos no transplante pulmonar intervivos, conforme as recomendações para cirurgias seguras, preconizadas pela Organização Mundial da Saúde e Joint Commission International.
1. Chamar o paciente e os doadores e recebê-los no CC, aplicando o protocolo da conferência para cirurgia segura.
2. Conferir o prontuário, exames e Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.
3. Montar mesas para: punção venosa e arterial, preparo do órgão, e mesa de instrumental cirúrgico.
4. Solicitar ao Banco de Sangue que encaminhe bolsas reservadas.
5. Conduzir, com a maca, os pacientes para as salas cirúrgicas.
6. Prestar assistência de enfermagem no ato anestésico.
7. Realizar sondagem vesical de demora.
8. Colocar bota de compressão de retorno venoso.
9. Auxiliar no posicionamento cirúrgico de decúbito lateral, evitando úlceras de pressão, compressões vasculares e nervosas, usando coxins para o posicionamento, respeitando a anatomia e fisiologia humana.
10. Colocar a placa de eletrocautério o mais próximo da incisão possível, em tecido muscular sem pelos, em local que se mantenha seco.
11. Aquecer o paciente com manta térmica nos membros inferiores.
12. Degermar do campo operatório.
13. Controlar as perdas sanguíneas e de volumes de outras drenagens para a realização do balanço hídrico, realizado pelo anestesista.
14. Acondicionar adequadamente as peças cirúrgicas que serão encaminhadas para análise de anatomopatológico, bem como as secreções para análise laboratorial.
15. Solicitar presença do técnico de Rx para realização de exame.
16. Evoluir os cuidados de enfermagem realizados no período intraoperatório e passar o plantão dos pacientes para o enfermeiro da UTI.
17. Acompanhar os pacientes no deslocamento do CC para a UTI, até serem passados à equipe da UTI.
Pós-operatório
Ao identificar a proximidade do final da cirurgia, o enfermeiro assistencial do CC passa, via telefone, o plantão do transoperatório para o enfermeiro da UTI e solicita o envio da cama da UTI para o CC. Procedimentos cirúrgicos finalizados, drenos de tórax identificados, curativos das feridas operatórias fechados, evolução de enfermagem do transoperatório realizada, são transferidos os pacientes para a UTI. Primeiramente, será passado o primeiro doador, após o segundo doador e por último o receptor. As informações são passadas com antecedência para o enfermeiro da UTI, a fim de montar e organizar o box daquele setor.
Os procedimentos cirúrgicos para a doação e transplante pulmonar intervivos, visto sua alta complexidade, exigem cuidados pós-operatórios intensivos, além dos cuidados gerais de pós-operatório de grandes cirurgias, sendo considerados a “monitorização hemodinâmica, reconhecimento da hipovolemia, controle do regime ventilatório, aspiração de secreções e manejo da dor”, devendo esses cuidados serem individualizados, isto é, focado nas necessidades de cada paciente. Visando a continuidade e qualidade da assistência, os registros de enfermagem e a passagem de plantão são essenciais, por envolver múltiplos profissionais e a comunicação efetiva entre os diversos membros da equipe que atuam no processo perioperatório, registros como a passagem de plantão são essenciais para a continuidade da assistência e segurança do paciente.
Manejo do paciente transplantado
Imunossupressão;
Profilaxia de infecções bacterianas, virais e fúngicas.
Procedimento Estando os procedimentos de doação e transplante intervivos autorizados, o procedimento cirúrgico é agendado (informando paciente adulto ou pediátrico), iniciando-se a organização propriamente dita para a realização do procedimento, comunicando as equipes de Circulação Extracorpórea (CEC), de anestesia, de cirurgia torácica e cardíaca. No dia do transplante, o CC é reservado somente para esse procedimento, pois as cirurgias são longas, ocupando praticamente todo o dia. As três salas são montadas: uma para o doador, outra para o receptor e, por fim, uma para a mesa de instrumental da cardíaca e montagem da CEC. Todo o material deve ser montado conforme a idade e tamanho do paciente. A cânula arterial com calibre, conforme o paciente e solicitação do cirurgião devem estar disponíveis no CC. Três broncoscópios devem ser reservados, pois em cada doador se faz a fibrobroncoscopia antes do procedimento. Para o receptor, a fibrobroncoscopia é realizada antes e depois do transplante, o calibre do aparelho deve ser observado no caso do receptor ser criança.
A técnica cirúrgica consiste na retirada dos lobos inferiores dos doadores e implantação no receptor após pneumonectomia bilateral. Portanto, envolve sempre duas cirurgias concomitantes: no receptor de pneumonectomia bilateral para transplante e lobectomia, nos doadores. Enquanto uma equipe inicia a pneumonectomia do receptor, outra equipe inicia a lobectomia inferior do primeiro doador escolhido.
Com o receptor na SO e o primeiro doador na outra SO, a equipe cirúrgica torácica realiza, após punção venosa periférica e uma sedação anestésica, fibrobroncoscopia em ambos. Definido o lado a receber o primeiro lobo pulmonar, após a anestesia geral, são realizadas punções venosas centrais, a punção para verificação de débito cardíaco (Swan-Ganz), punções de PAM. Apenas o receptor é puncionado com Swan-Ganz. Simultaneamente, as equipes cirúrgicas são divididas em: retirada do órgão do receptor (pneumonectomia) e retirada do lobo (lobectomia) do doador, nesse momento o receptor deve estar pronto para receber o primeiro órgão/lobo. A constante comunicação efetiva entre as equipes e o seu preparo é fundamental para o sucesso do procedimento cirúrgico. O transplante bilobar com doadores vivos é, atualmente, a melhor opção para os receptores pediátricos e adolescentes.
Algumas vezes, uma segmentectomia é necessária, conforme o tamanho do paciente receptor e o órgão a ser transplantado. O lobo retirado é colocado dentro de uma bacia estéril com soro gelado, no qual um sistema improvisado mantém a ventilação através de uma Baraka por intubação brônquica, enquanto uma cânula vascular inserida na artéria pulmonar permite a perfusão com 1 litro ou mais de Perfadex (solução de preservação do órgão) ativado pela solução de Than (ativador do Perfadex), até que o lobo se torne completamente livre de sangue do doador.
A cirurgia no receptor é realizada em dois tempos cirúrgicos: transplante pulmonar do lobo inferior direito e do lobo inferior esquerdo. Na troca de decúbito para transplantar o outro lado, realiza-se um Raio-x. Os mesmos procedimentos se repetem para o outro lado a ser transplantado. O próximo doador entra em SO e os mesmos procedimentos são realizados.
Complicações Disfunção primária do enxerto, semelhante a SDRA (Síndrome da Disfunção Respiratória do Adulto), rejeição aguda, disfunção crônica do enxerto, infecções, neoplasias. Complicações cirúrgicas também podem ocorrer em cerca de 20% dos casos.
Referências
Manual do Mundo. Quais órgãos podem ser transplantados? Disponível em < http://www.manualdomundo.com.br/2013/04/quais-orgaos-podem-ser-transplantados/ > Acesso em 2018
HOWES, Flávia Magalhães. Cirurgia de transplante pulmonar intervivos: atuação da enfermagem no período transoperatório. Disponível em < file:///C:/Users/master/Downloads/114-366-1-SM.pdf> Acesso em 2018
CAMARGO, Priscila Cilene. Transplante pulmonar: abordagem geral sobre seus principais aspectos. Número Atual: 2015 - Volume 41 - Número 6 (Novembro/Dezembro)
Disponível em< http://www.jornaldepneumologia.com.br/detalhe_artigo.asp?id=2464 > Acesso em 2018
FRAGOMENI, Luís Sérgio. Transplante pulmonar duplo: considerações técnicas e aplicação clínica. Revista Brasileira de cirurgia cardiovascular. Disponível em < http://www.bjcvs.org/pdfRBCCV/v2n3a08.pdf > Acesso em 2018
Camargo, José. Transplante de pulmão : aspectos técnicos. Disponível em < https://www.sbct.org.br/wp-content/uploads/2015/04/tecnica_transplante_pulmao.pdf > Acesso em 2018
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